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Após ter livro vandalizado com críticas às religiões de matriz africana na BA, Emicida comenta: ‘é de entristecer viver entre radicais’

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Foto: Ilustração de Aldo Fabrini
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O rapper Emicida se pronunciou, nesta terça-feira (7), após seu livro infantil Amoras ter sido alvo de intolerância religiosa praticado pela mãe de um aluno do ensino fundamental de uma escola particular de Salvador. O rapper divulgou um vídeo comentando o caso.

“Hoje minha reação a isso é de tristeza. Não uma tristeza de derrota. A história do livro, ela fala por si, e é uma grande vitória. A repercussão dele, fala por si. A tristeza é por essas pessoas que querem que a sua religião, no caso a cristão, protestante, conhecidos como evangélicos, seja respeitada, e deve ser respeitada, mas não se predispõem nem por um segundo a respeitar outras formas de viver, de existir e de manifestar sua fé”, disse Emicida.

O rapper disse ainda que não é a primeira vez que é alvo de manifestações deste tipo, como as ocorridas na escola da Bahia. Ele disse que se sentiu triste por viver em uma sociedade onde é preciso conviver com “radicais”.

“No começo, imaturo, eu fiquei com raiva e levei para o pessoal, mas era uma questão muito maior. Então, eu fiquei triste porque é de entristecer viver entre radicais que se propõem a proibir e vandalizar livros infantis. Livros. Sobretudo um livro tão inofensivo como esse, Amoras. Quer dizer inofensivo para os não racistas”, disse.

O rapper ainda parabenizou os professores que adotam o livro em suas turmas escolares, e convidou seguidores evangélicos a demonstrarem indignação em suas células e igrejas contra este e outros casos de intolerância religiosa, além de pedir que criassem um ambiente de respeito a outros tipos de fé e religiões.

Emicida também celebrou as religiões de matriz africana e afirmou que elas “resistiram, resistem e seguirão resistindo em nome do respeito e da vida”.

Entenda o caso

As páginas do livro foram riscadas com indicações de salmos bíblicos, enquanto informações sobre orixás foram indicadas como “falsas”. O caso se tornou público na segunda-feira (6), quando uma mãe de aluno encontrou a obra vandalizada.

O caso é classificado como racismo religioso pela advogada criminalista e Conselheira Seccional da Ordem de Advogados do Brasil (OAB) da Bahia, Dandara Amazzi Lucas Pinho.

De acordo com a direção da escola Clubinho das Letras, o livro, que é adotado nas práticas de ensino, foi indicado como sugestão de obras didáticas para o projeto Ciranda Literária.

Nele, os responsáveis pelas crianças são convidados a comprar livros sugeridos pela unidade de ensino que, em seguida, são levados à escola e disponibilizados entre os alunos.

A obra é indicada para crianças de cinco anos e conta a história de uma menina negra que está aprendendo a se reconhecer no mundo. Em conversas com seu pai, ela tem acesso a conhecimentos ligados às culturas e religiões diferentes, além de ser apresentada a grandes ícones das lutas dos povos negros, como Zumbi, Martin Luther King e Malcolm X.

A primeira edição do projeto Ciranda Literária teve início na sexta-feira (3) e, após o final de semana, a unidade de ensino foi alertada por um responsável que o livro estava com textos escritos à mão com mensagens preconceituosas.

Unidade de ensino pretende repor a obra

Procurada pelo G1, a direção da escola disse que é contra as declarações escritas no livro e assegurou que a obra será reposta, para que os estudantes continuem tendo acesso ao conteúdo do livro. Outra medida que deve ser tomada é a convocação da família para uma reunião.

O G1 também entrou em contato com a advogada criminalista e Conselheira Seccional da Ordem de Advogados do Brasil (OAB) da Bahia, Dandara Amazzi Lucas Pinho, que informou que o caso pode ser considerado racismo religioso.

Ela reforçou que todas as escolas brasileiras, públicas ou particulares, são obrigadas pelo Ministério da Educação (MEC) a implementar o ensino da história afro-brasileira e indígena nas escolas.

“O livro que deveria nortear um comportamento benéfico em sociedade acaba sendo interpretado de maneira equivocada e sendo uma arma para violentar pessoas que possuem um seguimento religioso distinto de quem fez as ‘notas de rodapé’. Conseguimos perceber de forma muito nítida como o racismo religioso está penetrado em cada linha subscrita”, disse.

O G1 entrou em contato com a mulher que escreveu na obra, que não quer ser identificada. Ela contou que não considera o caso como intolerância religiosa, pois escreveu no livro que ela mesma comprou e não se negou a levá-lo à escola.

Ela diz ter comprado a obra sugerida pela escola por achar que seriam abordadas apenas questões raciais. Porém, identificou que a obra também falava sobre religiões, assunto que, segundo ela, a escola havia informado que não seria tratado neste ano.

Como no livro o cristianismo não era abordado, ela decidiu escrever as passagens bíblicas à mão, para que, desta forma, os pais dos alunos pudessem ler, se quisessem, diferentes versões para seus filhos.

Após o caso repercutir na unidade escolar, a mulher contou que foi hostilizada por um grupo de pais de alunos e chamada de “vândala” e “intolerante”.

Páginas riscadas

O G1 identificou que pelo menos oito páginas da obra foram vandalizadas. Na primeira página do livro, o autor fala sobre Obatalá e o caracteriza como o “orixá que criou o mundo”. Ao escrever no livro, a mulher caracterizou a informação como falsa e citou o livro bíblico Gênesis.

O livro também traz ilustrações didáticas para caracterizar os orixás. Nelas, foram escritos textos como “essa imagem representa um ídolo” e que os orixás são “anjos caídos”.

A obra ainda traz um glossário para ajudar crianças a entenderem algumas palavras que são citadas ao longo do texto, como Obatalá, orixás, África e Alá.

Para explicar o que é o continente África, o autor destacou que “é o lugar onde a raça humana começou, e por isso, é conhecida como o berço da humanidade”. Ao lado do substantivo, a mulher desenhou um “x” e escreveu: “essa informação é falsa”.

Os atos de degradação da obra foram direcionados também ao autor do livro, Emicida. Como o rapper já contou em várias entrevistas, o seu nome artístico é um acrônimo: a junção das palavras homicida com MC. O nome foi criado depois que ele, que se chama Leandro, passou a vencer diversas batalhas de rap – ou seja, “matar” os adversários com suas rimas poderosas.

A história por trás do acrônimo foi destacado pela mulher, que pediu que os outros responsáveis “conheçam também a biografia do autor”, já que o nome usado por ele tem relação com a palavra “homicida”.

No mês passado, O Assunto, podcast do g1 teve como tema “Racismo religioso – o ódio para além do culto” e falou sobre a punição para quem pratica o crime de intolerância religiosa, que está mais dura desde o meio de janeiro, com a lei sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que equipara o crime de injuria racial ao crime de racismo, também protege a liberdade religiosa.

Fonte G1 Bahia

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